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Qualidade ambiental e riqueza de invertebrados diminuem em igarapés de Manaus

Editoria: Vininha F. Carvalho 25/04/2014

Os invertebrados aquáticos (insetos e outros organismos) de igarapés de Manaus sofrem com os efeitos negativos do processo de urbanização e com o aumento das temperaturas. É o que aponta uma pesquisa desenvolvida no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTI).

O estudo alerta ainda para a situação dos igarapés preservados, que estão perdendo a “função de referência como área preservada”.

A pesquisa da tese de doutorado do biólogo Renato Tavares Martins, defendida no programa de Pós-Graduação em Entomologia do Inpa (PPG-ENT/Inpa) mostra que os efeitos de diferentes impactos antrópicos como desmatamento, entrada de efluentes orgânicos (esgoto doméstico), aumento da temperatura e do dióxido de carbono (CO2) atmosférico diminuem a velocidade do processo de decomposição foliar, que é fundamental para a manutenção da vida aquática.


Em 2010, ao comparar dados coletados em 40 igarapés (pequenos e sem nomes) com outra pesquisa realizada em 2003 (dissertação de mestrado de Sheyla Couceiro), Martins verificou que sete igarapés preservados continuavam classificados dentro dessa categoria, mas as alterações do entorno já estavam afetando o ambiente desses fragmentos que seriam representantes naturais dentro da cidade.

Esses igarapés preservados estão localizados nas áreas verdes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e na bacia do Tarumã.

Conforme o estudo, nos igarapés preservados houve uma diminuição na qualidade ambiental e na riqueza de invertebrados com um número menor de espécies registradas.

“Os valores de variáveis físico-químicas também são piores e a tendência é que se a pressão urbana sobre esses ambientes não diminuir daqui a algum tempo, também estejam impactados”, disse Martins.

Enquanto isso, nos igarapés impactados não se observou nos sete anos a melhora da qualidade ambiental e a comunidade de invertebrados aquáticos se tornou mais simples do que era.

De acordo com a orientadora de Martins, a pesquisadora do Inpa Neusa Hamada, é preciso que seja feito algo urgente como manter a cobertura vegetal, impedir as invasões, a retirada das árvores, e fazer o tratamento do esgoto que é despejado diretamente em igarapés.

“Existem igarapés em que a maioria das casas joga o esgoto direto no corpo d’água sem nenhum tratamento, e esse é muitas vezes o lugar onde as crianças vão brincar se expondo a doenças de veiculação hídrica como amebíase e hepatite viral”, afirmou Hamada.

Outro aspecto importante é que existem insetos que não suportam altas temperaturas e quando se retira a vegetação marginal, a água aquece demais ocorrendo uma grande variação durante o dia.

De manhã, a temperatura fica em torno de 26°C e ao meio dia sobre para 30°C ou 33°C. Na floresta, isso não acontece. Lá a temperatura é de aproximadamente 24°C ou 25°C de dia ou à noite. “Chegar a 33°C é uma variação muito grande para os organismos aquáticos”, destacou a pesquisadora.

No trabalho de Couceiro, foi mostrado que cerca de 80% dos 62 igarapés analisados estavam impactados, principalmente, por esgoto urbano e desmatamento, o que significa poluição e perda da fauna original que é substituída por outra mais resistente à diminuição do nível de oxigênio como Chironomidae, Oligochaeta e Psychodidae.

Esses invertebrados possuem adaptações para obtenção de baixos níveis oxigênio (de 6,7 mg/l nos ambientes preservados até 0,3 a 3,5 mg/l em ambientes impactados).

Já nos ambientes preservados, é registrada elevada presença de organismos sensíveis como Trichoptera, Ephemeroptera e Plecoptera.

Outra consequência, é que esses cursos d’água também perdem aos poucos a capacidade de processamento da matéria orgânica, que deveria ocorrer no igarapé, mas não acontece devido à retirada da mata ciliar, uma fonte de alimento.

“Com o desmatamento da cabeceira, reduz-se o volume d’água. Os organismos que habitavam originalmente (peixes e insetos) já não são mais registrados. Então, ou se extinguiram localmente ou se deslocaram para outros igarapés mais para baixo ou para o rio principal”, relatou a pesquisadora do Inpa.

Realizada de 2010 a 2013, a tese “Avaliação dos efeitos de impactos antrópicos em ambientes aquáticos de Manaus através da comunidade de invertebrados e da decomposição foliar” foi orientada pela pesquisadora do Inpa, Neusa Hamada, e coorientada pelo professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Adriano Sanches Melo.


- Processo de decomposição:

Além da decomposição da matéria orgânica, a principal função do invertebrado é na cadeia alimentar, por servir de alimento tanto para outros invertebrados quanto para outros organismos como peixes, tartarugas, jacarés e aves.

Quando acontece alteração no ambiente não afeta apenas os insetos, mas a cadeia, inclusive com indícios de alterações na composição de peixes desses ambientes.

Para se ter uma ideia do trabalho realizado em laboratório, somente no capítulo 1 – onde foi avaliada em 2010 as condições ambientais e a comunidade de 40 riachos urbanos (termo usado no trabalho para se referir a igarapés) estudados em 2003 – Martins identificou 77.776 invertebrados.

Sem contar os invertebrados de outro capítulo (2), no qual se estudou a fauna associada (fungos e outros microorganismos) à decomposição de folhas (Coussapoa trinervia [Cecropiaceae] - e Mabea speciosa [Euphorbiaceae]), presentes na vegetação ciliar desses ambientes.


Segundo Martins, a maioria dos organismos não é capaz de comer as folhas logo que elas caem, então alguns fragmentadores e fungos, principalmente, atuam transformando essa matéria em alimento para os outros organismos. Os fungos, através de enzimas que possuem, vão tornar as folhas mais atrativas para os invertebrados.

“Tem um professor de Portugal (Manoel Graça) que faz a seguinte comparação: a folha seria tipo como o biscoito creme cracker e o fungo aquela manteiguinha que você passa para deixar o biscoito mais gostoso”, comparou o biólogo.

O estudo ainda fez experimentos no microcosmos do projeto Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (Adapta/Inpa), que avalia os efeitos das mudanças climáticas e o aumento de temperatura, para verificar a taxa de consumo das folhas pelos fragmentadores (Phylloicus elektoros) e a sobrevivência desses organismos nos diferentes tratamentos, que são quatro salas com aumento gradual das temperaturas previstas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) para o ano 2100.

A previsão mais pessimista do IPCC prevê aumento de temperatura de 5°C nesse intervalo de tempo.

"A pesquisa apontou que o aumento da temperatura diminui a sobrevivência e o consumo de folhas. Assim, as mudanças climáticas testadas no microcosmos poderão resultar em grandes alterações no processamento da matéria orgânica e nas cadeias alimentares nos riachos amazônicos", ressaltou Martins.

Fonte: Cimone Barros / Inpa